06.02.13

QUESTÕES MOTIVACIONAIS \ Arnold: o Mr. Olympia, o Exterminador, o político

Em algum texto recente falei de forma pouco eloquente sobre quebrar preconceitos. Obviamente eu não fui claro, como quase nunca sou. Quis dizer que preconceitos costumam podar as pessoas, impedi-las de ver a natureza das coisas. E para tudo, absolutamente tudo, existe alguma forma rudimentar de preconceito. Sempre estamos julgando o livro pela capa, adiantando a opinião, sentenciando alguma coisa, e esquecendo do exercício que mais importa, que é entender qual é a nossa verdadeira leitura sobre aquilo tudo. As vezes defendemos opiniões que não temos. Viemos assim de fábrica, tenho comigo.

O vídeo abaixo foi recomendado por um colega na academia que frequento, daqueles que temos vergonha de perguntar o nome porque já estamos conversando há algum tempo. Tenho dessas, fico constrangido em perguntar o nome de alguém que eu já mantive algum contato. Me sentiria meio paspalhão se tivesse que interromper a conversa para mandar um: me desculpe, mas qual é o seu nome mesmo? Tenho vários amigos assim, eles costumam se aglomerar no elevador do meu prédio. Odiaria imaginar a outra pessoa pensando “mas que paspalhão perguntando meu nome assim!” Não deixa de ser um preconceito, já que eles provavelmente responderiam sem me julgarem um paspalhão. Talvez não passe de um mero receio. Ainda assim, ninguém quer demonstrar deselegância, é por isso que as vezes o preconceito vence o receio.

De qualquer forma, o fulano me indicou o vídeo enquanto observava a minha expressão de esforço ao fazer uma série de abdominais. Ele se aproximou e, ao melhor estilo Tarantino, disse olhando para baixo:

- Você deveria ver um vídeo motivacional do Arnold Schwarzenegger.
- Vinte e seisss… Que vídeo é esse? Viiiinte e seeeete… É bom? Vinte e…
– Sim, muito. É um vídeo baseado em como ele conseguiu aplicar a mesma filosofia nas carreiras de atleta, ator e político. É fantástico, você devia realmente ver, posso mandar pra você, se quiser.
– Ok, faça isso, me mande e eu assisto sim.
– Assiste mesmo? Não estou sentindo muita firmeza na sua resposta.
– Sim, assisto.
– Ok, eu sei que vai.

Mas comigo eu pensei: - Nem fodendo que vou ver um vídeo motivacional sobre levantamento de peso. Tenho muito preconceito com vídeos, palestras, terapias, consultas ou qualquer coisa com o objetivo de motivar pessoas, ainda mais quando o motivador é o sujeito que “ficou grávido” depois de contracenar com Dany DeVito. Não era pra mim. Ele se foi e eu continuei com os meus abdominais.

No mesmo dia, já em casa, recebi do colega o link do vídeo junto com um pedido de amizade no Facebook. Beleza, pelo menos agora eu tenho o nome, não preciso mais perguntar. A retribalização de McLuhan venceu o preconceito que tinha vencido o receio. - Ok, vou assistir - respondi virtualmente. Mas, comigo, continuei convicto: nem fodendo! O cara foi um fisiculturista nos anos 1970, um fisiculturista! Quanto maior o músculo, menor o cérebro. Um dos maiores preconceitos que existem.

Voltei à academia no dia seguinte. Cuidava da minha série de remadas unilaterais quando vi Jérfferson (assim mesmo, com jota e dois efes) adentrando o recinto. - Maldição, ele vai me perguntar do vídeo. E agora? Ele veio em minha direção disposto a me cumprimentar. Ferrou! Preciso fazer alguma coisa pra disfarçar. Peguei um halter de 18 kg e comecei a fazer bíceps concentrado. Putz, devia ter pego um de 10. Ele passou do meu lado. Fiz uma expressão de esforço bastante exagerada para evitar qualquer diálogo. Não estava fingindo, devia mesmo ter pego um de 10. Ele se foi e eu me livrei do fardo. Então passei todo o tempo me esquivando dele pela academia, ia marcando Jérfferson de longe. Quando ele ia para o supino, eu ia para o lado oposto, na barras, fazia um apoio para manter a distância. Era melhor ter assistido ao vídeo.

Perde-se muito tempo e energia com os preconceitos, melhor não tê-los.

Fui até o bebedouro, peguei um copo descartável e comecei a escrever meu nome nele – uma prática comum e seguida por todos. A caneta, como de costume, não funcionava em contato com a superfície suada do copo plástico, tentei rabiscar na barra igualmente suada da camiseta, nada. Risquei um pedaço da papel, beleza, funcionou! Me distrai tanto com aquilo que não pude notar a aproximação de Jéfferson. Quando levantei a cabeça, tomei um susto com ele parado ao meu lado: - E então, assistiu ao vídeo?

Respondi afirmativamente. Menti sem exitar, no impulso. Me arrependi assim que terminei de falar, mas já era tarde. Ele imediatamente desmanchou o semblante sério e completou: – Foi o que eu imaginei, to vendo como você está malhando pesado hoje. Também fiquei impressionado com o vídeo. Não é incrível como Schwarzenegger consegue motivar as pessoas?

Sim, é incrível. O vídeo é um caso clássico de preconceito contra marombeiros de academia. Não tem recursos audiovisuais, é cru. Fácil não continuar assistindo, tecer o julgamento antes do fim. Isso é para playboy desocupado. Mas, lá está Arnold Alois Schwarzenegger, o tal “Carvalho Austríaco”, endeusado por qualquer um que se preocupe em cultivar músculos. Schwarzenegger é considerado uma das figuras mais importantes da história do fisiculturismo, e seu legado é celebrado num concurso anual batizado de Arnold Classic. Ecoará pela eternidade, fatalmente.

No cinema eternizou-se de outra forma, como um dos ícones da cultura pop. Você pode ser um bom ator, ganhar muito dinheiro e fãs, pode até ganhar um Oscar, mas jamais será um ícone da cultura pop. É um clube muito restrito que independe de talento, de indicação. Seja lá o que é preciso ter para credenciar-se à essa vaga, é algo que Arnold tem de sobra.

- Não há destino que não possamos fazer. Se é que você me entende.

Não feliz, embrenhou-se na política, e – pelo amor de Deus! – tornou-se Governador da Califórnia, o 38º da história. Não governou o Wyoming, Alasca ou Missouri, mas sim o maior centro industrial dos Estados Unidos. Foi além, foi nomeado pela revista Time como uma das 100 pessoas que ajudaram a moldar o mundo. Durante seu mandato estabeleceu algumas regras referentes ao controle de emissão de gases poluentes que provocam o efeito estufa. Fez a diferença, mesmo com todos aqueles músculos sob o colarinho de seda.

Ninguém é bem sucedido em áreas tão distintas assim. Então o que podemos aprender mesmo com esse Conan republicano? Para começar, livrando-se dos preconceitos, de todos eles. Arnold estudou psicologia aos 15 anos para entender o poder da mente sobre o corpo. Tudo está na mente, é ela quem manda. É disso que fala o vídeo que eu não assisti por estar preocupado demais com os meus preconceitos.

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