07.12.12

FUTEBOL AMERICANO \ Quando passei a torcer pelo Arsenal

Não tem muito tempo fui ver o time da minha cidade disputar um mata-mata de campeonato brasileiro, um jogo de bola despretensioso só pra espantar a pacatez. K.J., um norte-americano radicado em Mato Grosso é o craque do time, ele é o nosso running back e prometia ir pra cima do Porto Alegre Pumpkins. Nosso linebacker também estava com “sangue no zóio”. O poderoso Cuiabá Arsenal era favorito, um fato. Ok, você já deve ter percebido que não estou falando do nosso tão popular Soccer. Então permita que eu explique isso melhor.

Moro em Cuiabá e sempre ouvi dizer que a minha cidade tem um dos melhores – se não, o melhor – time do país quando o assunto é futebol americano. Sempre ouvia essa afirmação sem dar muita importância, afinal de contas, quem pelo amor de Deus se interessa por futebol americano? De qualquer forma, sempre gostei do status. É legal ser o melhor do país em alguma coisa, mesmo que quase ninguém dê muita importância a essa coisa.

Mas tudo mudou radicalmente no dia 5 de fevereiro de 2012. Não estou falando de um dia qualquer, pelo menos, não para os estadunidenses, canadenses ou qualquer outro apreciador da bola oval – era dia do 46º SuperBowl – e se você se interessa minimamente por algum esporte, sabe sobre o que estou falando.

Lembro como se fosse ontem, era um domingo ensolarado, eu havia chegado em casa depois de um almoço bastante mal sucedido. Acho que foi a costelinha de carneiro, ou a batata frita que, segundo minhas suspeitas, deve ter sido fritada em uma panela de petróleo estragado. Não sei direito, só sei que estava condenado a passar a tarde inteira com aquela dor na barriga infernal. Então liguei a tevê enquanto esperava o chá de Macela ficar pronto. A propósito, tenha sempre essa milagrosa erva da flora brasileira por perto. #ficaadica

Do outro lado da tela New York Giants e New England Patriots já haviam terminado o aquecimento para o jogo mais importante da temporada mais importante do esporte mais importante do país mais importante do mundo. Um jogo que, segundo a Forbes, ostenta o título de evento esportivo midiaticamente mais caro (”midiaticamente” existe?), onde um comercial de 30 segundos custa algo perto de 3,5 milhões de dólares. Também ouvi isso a vida inteira e nunca dei muita bola, só queria mesmo me livrar daquela maldita dor de barriga.

Midiaticamente falando.

Então o grande jogo começou e eu, esparramado no sofá, fui lentamente me interessando pelo que via. Fui entendendo as regras, conhecendo os jogadores e quando nem lembrava mais do água fervendo para o chá, estava torcendo por um turnover para o Patriots. Mas no final deu Giants, num jogo eletrizante, com Tom Brady (o tal marido da Gisele Bündchen) tentando um touchdown desesperado de 50 e poucas jardas na última jogada da partida. Quase deu. – Faça a festa torcedor do Giants -, é o que diria Galvão Bueno num momento daqueles.

Então eu definitivamente me interessei, na verdade, me apaixonei pela coisa toda, ali, na sala de casa sofrendo de azia. Prometi que passaria a acompanhar tudo sobre futebol americano, e de fato, passei. A nova temporada começou e lá estava eu todos dos domingos, segundas e quintas no canal 30. Acompanhei tudo que era jogo. Descobri que não temos Galvão Bueno, mas temos Paulo Antunes e Everaldo Marques. “Oh my god!” ”Temos um jogo!” E foi assim que tudo começou pra valer.

Isso devidamente dito, posso contar o que eu fui fazer no jogo do Arsenal contra o Pumpkins.

Vai, Arsenal!

Cheguei cedo ao Dutrinha Stadium, estava ansioso, como qualquer debutante que se preze. Consegui estacionar meu carro na porta do estádio, um mau sinal, pensei logo de cara. Mas eu estava adiantado, ia lotar sim. Então passei pela catraca e assim que venci um pequeno lance de escadas tive a visão total das 100 jardas simetricamente desenhadas no campo irregular.

Foi um grande déjà vu, ainda que não fosse a primeira vez que eu havia posto os pés naquele acanhado estádio. Pude sentir a mesma sensação de quando vi o gramado do Morumbi pela primeira vez (guardadas as devidas proporções, claro). O coração bateu novamente mais forte, senti o cheiro de competição, o palco pronto para a guerra, a plebe sedenta por sangue. Homens têm esporte na alma, e um campo de jogo mexe com nossos instintos. Fiquei ali por alguns instantes antes de tomar meu lugar – que, obviamente, não era marcado.

Os dois times estavam em campo fazendo o trabalho de aquecimento, e ainda faltavam 45 minutos para a bola rolar (?). Olhei para as arquibancadas e vi duas dúzias de gatos pingados. Faltavam 45 minutos, calma, vai lotar.

O clima estava estranho naquele sábado, fazia sol, ao mesmo tempo caíam algumas gotas encorpadas de chuva. Algum casamento de viúva pelas redondezas, imaginei. Mesmo assim, nada que pudesse atenuar o concreto incrivelmente quente da arquibancada. Para as moças, um desconforto brutal sentar naquele braseiro, para os rapazes, a eterna preocupação com as hemorroidas. Preferi ficar de pé por alguns instantes, nunca se sabe.

Todo o cerimonial começou após a entrada da bandinha, uma marchinha bastante simpática nos transportou para meados dos anos 1950, não fossem os trajes contemporâneos desmentindo aquele agradável clima vetusto. A chuva insistia em não cair, e o público resolveu chegar, todo ele, de uma vez só. Eu sabia!

O coração bateu novamente mais forte, senti o cheiro de competição, o palco pronto para a guerra, a plebe sedenta por sangue. Homens têm esporte na alma, e um campo de jogo mexe com nossos instintos.

Então o Porto Alegre Pumpkins – campeão da Conferência Sul – entrou em campo, e para minha enorme surpresa, todos aplaudiram. Fiquei orgulhoso, normalmente eu não espero muito quando minha espécie se aglomera para prestigiar eventos esportivos. A agressividade nos é inerente. Três minutos depois adentrou o campo os donos da casa, melhor campanha da temporada regular, o bicho papão do campeonato, o pica das galáxias! Um show pirotécnico e os 30 e poucos jogadores do Cuiabá Arsenal apresentaram-se para fazer o que sabem: jogar o futebol de verdade (segundo os americanos).

Eu estava em estado de graça, não perdi um avanço, peguei fila pra comprar cerveja, briguei no preço com o vendedor de amendoim, xinguei o juiz, levantei, sentei, levantei de novo, sentei e reclamei porque o cara da frente não sentou. Dane-se tudo, eu estava no meu estádio! Nem vi as duas horas e meia de partida passarem. Quando levantei de novo, xinguei o quarterback – mesmo sem saber o nome dele -, pedi mais jogadas aéreas, depois questionei o esquema tático do nosso técnico – o 87 não estava jogando nada. Vai, Arsenal!

E não deu outra, vencemos fácil por 41 a 7. K.J., sempre ele, fez com que todos os outros parecessem café-com-leite. Com o apito final da zebra veio uma sensação ímpar, de que eu tinha deixado de ser órfão de uma paixão. Descobri, enquanto cozinhava a bunda no concreto, que todo esse ritual estava me fazendo falta. Eu sempre quis frequentar estádios e raríssimas foram as oportunidades, justamente por morar em uma cidade sem nenhuma presença no futebol tradicional. Não é tão simples ir ao jogo do seu time quando o estádio fica há mais de dois mil quilômetros de distância. Eu era infeliz e não sabia.

Só não esperava encontrar isso num esporte sem identificação nenhuma com a cultura do meu país, sem ídolos, sem história, sem tradição, com regras complicadas. Mas, não importa, nem um pouco, por quatro quartos permiti que aquilo se tornasse parte do meu mundo. Serei o avô que ia ao estádio quando o futebol americano engatinhava no Brasil. Acho que estou ajudando a plantar uma árvore.

3 Responses to Quando passei a torcer pelo Arsenal


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