Está na moda ser ateu. O que coincide diretamente com a falência da Igreja Católica e todo o seu totalitarismo histórico. Não é segredo para ninguém que a Igreja só se tornou “sagrada” porque monopolizou o conhecimento por vários séculos, proibiu e censurou livros, silenciou dissidentes, condenou estrangeiros, invadiu a esfera privada e invocou uma salvação exclusiva. Natural que esse estado ditatorial terminasse no momento em que as pessoas passassem a pensar por conta própria – quando a ciência triunfasse. O argumento cosmológico colocou a fé em cheque. Ainda que esteja me referindo a uma minoria silenciosa, finalmente as pessoas passaram a olhar com mais ceticismo para a veracidade das coisas que cercam a sua existência.
Por mais lógico que isso possa parecer, deve-se lembrar antes de qualquer coisa que religiões são meras criações do homem. A tal “palavra de Deus”, na verdade, é a “palavra do homem atemorizado”. Esqueça a grande falácia do Monte Sinai, aquilo não existiu. Uma fábula, talvez. Os primeiros pais da fé viviam em uma época de enorme ignorância e medo. A religião vem de uma época da pré-história humana em que ninguém tinha a menor ideia do que estava acontecendo. Vem da infância assustada e chorosa de nossa espécie e é uma tentativa infantil de atender a nossa inescapável necessidade de conhecimento. Hoje, qualquer criança desinformada sabe muito mais sobre a ordem natural que qualquer um dos fundadores da religião.
A Igreja dotada de poder desproporcional sempre obrigou seu rebanho a impor suas medidas sob a chancela de um Deus. Então as pessoas pregaram, ainda que nunca obedecessem completamente aquilo que propagavam, mesmo assim pregavam. Militaram pelo fim das pesquisas com células-tronco, do aborto, das pílulas anticoncepcionais, do divórcio e, claro, do sexo antes do casamento. A questão é que a Igreja nunca se limitou a aconselhar seus seguidores a apenas adotarem essas medidas. Ela quis impor isso pra todos, sob alguma sanção, obviamente. Então inventou o pecado, um de seus produtos mais bem sucedidos. José Saramago disse certa vez que o pecado nada mais é do que um diabólico instrumento de controle.
Os primeiros pais da fé viviam em uma época de enorme ignorância e medo. A religião vem de uma época da pré-história humana em que ninguém tinha a menor ideia do que estava acontecendo.
E é justamente nesse cenário de revelações que o “novo ateísmo” está virando um movimento. E como acontece em qualquer movimento de alcance global, precisa-se de um líder, um elemento que saia do armário e traga com ele uma multidão pessoas que não conseguem alinhar sozinhas suas ideias. Seja por medo, receio ou preguiça. Mais ou menos o que Sid Vicious fez com o movimento punk nos anos 1970, ou o que Gandhi representou para os ativistas democráticos. Somos como cães que precisam eleger o líder da matilha. É do instinto. Ninguém quer ser marginalizado, muito menos quem não pertence à nenhuma outra minoria. A multidão conforta.

Se queremos progredir, não devemos repetir a história, mas fazer uma história nova.
Lembro de uma campanha que a ATEA (Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos) tentou divulgar em ônibus de São Paulo, Salvador e Porto Alegre há alguns anos. O lançamento da campanha ocorreu pouco depois de o Ministério Público Federal ajuizar ação civil pública contra o jornalista José Luiz Datena pedindo retratação de suas afirmações ofensivas contra ateus. Mas antes de pregarem o primeiro adesivo a comunidade ateia sofreu mais um golpe.
A campanha foi barrada por leis municipais que proíbem campanhas que favoreçam ou estimulem qualquer espécie de ofensa ou discriminação religiosa. Outro motivo foi a alegação das empresas responsáveis pelos anúncios que temiam a reação do estado e dos empresários de ônibus. A Atea se defendeu dizendo que seu objetivo era apenas tentar diminuir o enorme preconceito das pessoas contra os ateus, no caso, a minoria silenciosa. Não tem como negar que o argumento da proibição é válido – é uma lei, e deve ser respeitada. Mas por que uma lei como essa ainda perdura?
A equivocada menção à Deus no papel moeda é ouro ótimo exemplo. O “Deus seja louvado” em um documento oficial não deveria existir. O Brasil é, orgulhosamente, um estado Laico, apesar de imensa maioria católica. De novo. A lei privilegiando ideais religiosos e ignorando o que está na Constituição, algo simples de entender. Católicos são eleitores, muitos, por sinal. Quem se importaria com esses malditos princípios da igualdade de crenças!
Desde os meus primeiros anos de consciência de sociedade, eu busquei não me acomodar com as regras ditadas por qualquer que fosse a organização. Eu queria ser um descobridor, como Magalhães, ou Truman Burbank, que fosse. Me incomodava profundamente o fato de tentarem me empurrar goela a baixo uma explicação desconexa para coisas serem como são. Até num postulantado franciscano me enfiei certa vez tentando entender a um pouco mais dos princípios que ajudaram a arquitetar o império de Deus – uma experiência bem válida, diga-se de passagem. E não digo isso por causa do vinho à volonté, nem pelo futebol aos sábados. Me senti um pouco como em “O monge e o executivo”, de James Hunter e desmitifiquei de uma vez por todos o termo “sagrado”.
Hoje, um pouco mais vivido, vejo a proposta da seleção natural muito mais atraente e plausível do que um ser superior com a sua varinha mágica criando coisas em 7 dias. Concordo que a hipótese científica não oferece respostas muito mais concretas, apenas induz a mais perguntas. Mesmo assim, é a mais coerente com as capacidades do ser humano. Ter uma vida de reflexões sem a necessidade de um plano divino, é nisso que eu prefiro acreditar. A vida pode funcionar perfeitamente sem essa suposição de um Criador supremo e inquestionável. Em outras palavras, a verdadeira filosofia começa onde a religião termina.
O ideal seria que a discussão parasse aí. Mas as pessoas não entendem que a decência humana não deriva da fé. Esse é outro ponto. O cartaz censurado da ATEA lembra que Hitler era religioso, Charles Chaplin, ateu. Em uma sociedade pouco racional, os ateus, ou qualquer ideia fora do pensamento religioso, são vistos como imorais. Conheço uma pessoa extremamente religiosa que certa vez se recusou a fazer um tratamento de canal quando descobriu que o dentista era ateu. Assim fica fácil entender o imenso poder da propaganda nazista (!). Michael Ruse disse certa vez que a moralidade é apenas uma ferramenta de sobrevivência e reprodução e qualquer sentido mais profundo é apenas ilusório.
A fé é o caminho que exige menos resistência.
As civilizações fazem guerra por causa de religião, jamais aceitariam mudar sua fé, livrar-se da doutrinação enraizada por gerações. Seria pecado. E quando não existe guerra o que mata é o indivíduo que insiste em permanecer-se cego, casmurro, que prefere não pensar, não refletir sobre nada. Para Sócrates uma vida sem reflexão não merece ser vivida. Mas, quer saber? Deus não exerce poder nenhum, as pessoas não são criaturas especiais de um criador onisciente, onipresente e onipotente – o dogma das religiões monoteístas. É apenas uma fé fabricada, frívola, vazia, praticada por não praticantes convictos. A verdade está muito mais distante para essas pessoas.
No fundo, tudo depende de até onde você está disposto a ir para entender sua própria existência. Esse é o propósito, não sabemos até onde somos limitados. A igreja é muito coerente com a sua autoridade. Os católicos é que não são. É muito mais fácil dizer ‘Graças a Deus’ e ‘Se Deus quiser’ isentando-se de qualquer responsabilidade. Não é preciso pensar muito. Pensar costuma dar muito trabalho. Apenas entregue-se à força da expressão. Existem pelo menos 200 teorias que tentam explicar de onde viemos e para onde vamos. Por isso eu considero formidável um antigo filme do canal Futura: Você pode pensar muitas coisas, a única coisa que você não pode fazer, é não pensar.
Em “Deus não é grande” Cristopher Hitchens prega que Deus não criou o homem à sua imagem, foi o contrário. O jornalista e escritor vem pondo em dúvida até o mais beato dos fiéis, mostrando por que nenhuma religião oferece uma resposta satisfatória a vários questionamentos e porque a profusão de deuses e religiões tanto tem adiado o desenvolvimento da civilização. Hitchens poderia perfeitamente ser o tal líder, mas ele não tem o carisma que um cargo de tamanha magnitude exige. A esperança é que essa sociedade cada vez menos leiga livre-se dos preconceitos e, naturalmente, construa esse personagem. Isso, se Deus quiser.
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