Mesa de bar. Habitat natural de quem costuma exagerar nos debates e histórias. Por exemplo? O rato morto que tinha o tamanho de um chinelo 43 mas, na verdade, parecia um chaveiro de fichário. Ou então o sogro, aquele ex-militar que, no início do namoro, chegou a te perseguir com uma .12 em mãos – mas o máximo que ocorreu foi uma ameaça por telefone.
Estamos exagerando. Não mentindo. Aumentar, fantasiar, entreter com argumentos complementares. Em alguns casos, até melhorar o fato. Os históricos, especialmente. Essa é essências das conversas entre amigos. Bastam 45 minutos para que, ali mesmo, na mesa de ferro com a logo da Kaiser de 1994, sejam solucionados problemas para a guerra no Oriente Médio, a economia na América Latina e o time masculino de vôlei.
Mentira, nenhum homem deve ser preocupar com o time masculino de vôlei. Muito menos os que frequentam bares que ainda possuem mesas de ferro da Kaiser de 1994.
Enfim.
É assim que funciona. É assim que tiramos o Eduardo Bueno que há dentro de nós. É assim que reescrevemos a história do jeito que achamos que devia ser – e muito mais interessante. Afinal, ninguém anda por aí com uma Delta La Rousse pra saber se foi assim ou não.
Ninguém andava. Pois os telefones inteligentes estão acabando com nós, os exagerados.
Tipo o Afonso. Afonso era um monstro nas histórias. Ninguém contou uma história como Afonso. Lembro do entusiamos dele para relatar cenas de filme e, especialmente, jogos de futebol. Teve uma vez que os cozinheiros deixaram o fogão do bar e se aproximaram da nossa mesa afim de ouvir Afonso relembrar o gol do Pelé contra o Juventus na Rua Javari. “Além dos chapéuzinhos, teve duas janelas que ninguém conta. Eu sei, eu tava lá”, dizia. Acreditávamos – justamente pelo entusiamos na oratória.
Mas foi no dia que o dono do bar liberou a senha do wi-fi que o sonho acabou.
- O Lara, cara. Lara! O “craque imortal que soube seu nome elevar”. Hein? Jogador de época. Jogador que jogava porque entendia o conceito de clube. Morreu defendendo um pênalti no Grenal! Sabe dessa história?
- Conta aí, conta aí - aclamava a confraria, já ajeitando-se na cadeira e sabendo lá vinha coisa boa.
- Grenal de 1935. Pô, 35! Olha o ano: trinta e cinco. Um século depois da Revolução. Então, o Grêmio ganhava de 1×0 quando o avô do Carlos Eugênio Simon marca um pênalti pros caras. Quem vai bater? O irmão do Lara.
- Qual era o nome dele? - , questionou Arthur. Anote esse nome: Arthur. Um cara legal, mas um cara que adorava seu smartphone. Nada contra smartphones. Mas existe hora de usá-lo. No bar, no meio de uma história, jamais.
Seguindo.
- Sei lá, ele era colorado, ele não tinha nome. Então, o irmão do Lara bate o pênalti no meio do gol. Uma paulada. O Lara, goleiro moderno, ficou parado esperando a definição do cobrador. Ele encaixou! Encaixou o pênalti e caiu ali, 10 centímetros de distância da linha do gol. O juiz acabou o jogo assim: com o Lara deitado na linha do gol com a bola encaixada. O time inteiro foi comemorar. Mas quando viram, Lara tava morto.
- Cara…
- Cala a boca. O cara morreu defendendo o pênalti no Grenal Farroupilha chutado pelo irmão. Isso que era jogador. Foi pro hino do Grêmio. Único jogador do mundo que está no hino de um time. Que história, que história. (Me vê mais um aqui, Juarez).
- Não teve pênalti.
- Oi?
- Não teve esse pênalti. Nem irmão no Inter o Lara teve.
- Tá maluco?
- Olha aqui. To com a Wikipedia aberta. O Lara morreu de ataque do coração dois meses depois do jogo. Isso é uma lenda. Só ganhou esse tamanho todo porque não há registros em fotografia ou vídeo do jogo. Esse é o tipo de história que começa assim: alguém passa pra frente, não tem – ou tinha – como descobrir a veracidade e vai aumentando. Por isso hoje, quase 100 anos depois, se repete que o cara morreu pegando um pênalti e tudo mais.
Afonso ficou calado.
O wi-fi ganhou todos os bares.
E as histórias nunca mais tiveram graça.
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