19.07.13

Mercado \ O lado da propaganda que não entra na pauta

De um tempo pra cá alguns jovens, em momentos diferentes e por meios distintos, chegaram a mim com uma dúvida: “Estou pensando em fazer publicidade, o que você acha?” Impressionante como uma pergunta tão específica pode ter uma resposta tão ampla. Os benefícios de ser um publicitário todos sabem. Os malefícios também. Procure por “publicitário” no Google Imagens e leia as tiras de “Mário, o Publicitário”. Resumidamente, esses são os perrengues da profissão. Agora, o que quase ninguém fala é da parte que fede. Portanto, jovens que pretendem trabalhar com comunicação: aqui vai um pouco da parte mais suja dessa profissão. Se você quiser frequentar festinhas badaladas, decorar a estante com alguns prêmios, trabalhar de bermuda e fazer ótimos amigos, você precisa ter estômago para aguentar o seguinte cenário:

Antes uma observação. Trabalho há 10 anos com propaganda, 95% desse tempo dentro de algumas agências em Cuiabá, Mato Grosso. Portanto, o que vou relatar aqui é de conhecimento sobre esse mercado. Se você não for de Cuiabá, pergunte para alguém da sua cidade como funciona o sistema por aí. Provavelmente será o mesmo cenário.

Você fará bons amigos.

Capítulo 01 – Submissos e Conformados
Somos uma classe que aceita as coisas como elas são. É assim que funciona e pronto. Nosso salário não é registrado na carteira de trabalho e não recebemos em dobro nossa hora extra dedicada à empresa nos finais de semana ou nas madrugadas. Não temos um órgão que determina nosso piso ou teto salarial. Não precisamos de diploma para exercer a profissão. Não existe sindicato dos profissionais, o sindicato das agências é ridículo e ninguém faz nada para mudar isso. Como disse, somos submissos e conformados.

Capítulo 02 – Licitações e Concorrências
Boa parte do lado que fede da publicidade está podre por um mal chamado licitação. Em 10 anos devo ter participado de umas 30 licitações, incluindo públicas e privadas. Talvez cinco delas não tenham sido carta marcada. É um período de extrema dedicação em vão do profissional. A gente rala, se dedica, trabalha com tesão no projeto, perde festa de família, perde fim de semana, perde os primeiros passos da sua filha para participar de uma concorrência em que a solicitante já sabe quem vai ganhar, mesmo antes de abrir as propostas. Se nas licitações públicas, para as quais teoricamente existem leis e regras, o sistema é fraudulento, imagine nas concorrências de empresas privadas, onde ninguém fiscaliza nada. Assembleia Legislativa, Câmara dos Deputados, Secretaria da Copa e até concorrência de shopping center. Já vivi de tudo e repito: fede. Me faltam provas, mas gostaria muito de citar nomes e dar exemplos práticos. Quem sabe um dia algum jornal de domingo à noite não mostre uma matéria com aquelas câmeras escondidas e gravações telefônicas clandestinas, revelando como o sistema funciona. Se bem que isso é muito pouco provável. Os canais de televisão  fazem parte do sistema. Tem TV, inclusive, que é dona de agência de comunicação. Mas isso é assunto pra outro capítulo.

Capítulo 03 – Mídia Vendida
Já parou pra pensar como um jornal ganha dinheiro? Não, não é vendendo nas bancas. Ele ganha com os anúncios que decoram as folhas entre uma reportagem e outra. Televisão, rádio, site de notícias, todos funcionam do mesmo jeito. Como todos sabem, a mídia tem um poder violento na formação da opinião pública. E é aí que mora o perigo. Boa parte dela é vendida. Sites e jornais constantemente ameaçam órgãos ou concessões públicas dizendo que se eles não anunciarem no canal vão publicar uma reportagem negativa sobre a instituição. É simples assim: “Anuncie que eu calo a minha boca”. E você sabe o que as agências e as empresas fazem? Anunciam. É o sistema alimentando o sistema.

Capítulo 04 – “Pra inglês ver”
Certa vez perguntei para uma pessoa que trabalhava em uma secretaria de comunicação se a nossa campanha teve algum resultado. Ela virou pra mim e disse: “A gente não faz propaganda para alcançar resultados”. Publicidade para órgão público é, na maioria das vezes, uma grande prestação de conta. Nenhuma campanha para prefeitura, governo ou qualquer secretaria possui métrica ou mensuração de resultado (não que eu saiba). Não precisa medir resultado. Tudo é fachada. Desculpa para gastar o dinheiro público. Já vi anúncio de um quarto de página de jornal ser liberado pra um veículo de comunicação do interior do interior do Estado por 10 mil reais. Um jornal com 100 exemplares não vale 10 mil reais. Isso é só mais um dos modos que o sistema achou para fazer desvio de verba. Como eu disse, fede.

Já fui júri, já presenciei manipulação de resultado, já vomitei no banheiro das festas.

Capítulo 05 – Premiação
A única premiação que dou valor é para a categoria acadêmica. O resto é jogo de interesse. Na minha cidade existem 3 “grandes” premiações publicitárias. Dois veículos e um fornecedor. Já fui júri, já presencie manipulação de resultado, já vomitei no banheiro das festas. Aprendi com um grande amigo que mais importante que o prêmio é quem premia. Portanto colega, quando o prêmio for dado por alguma instituição de rabo preso, a premiação não vale nada. Não ganha a melhor peça publicitária, ganha quem mais investiu. A boa notícia é que parece que as coisas começaram a mudar nos últimos 2 anos. Aparentemente a criatividade começa a ganhar peso na escolha dos premiados.

Desculpe se explorei apenas o lado negativo da coisa, mas acho importante que você, estudante, saiba antes de mais nada como as coisas funcionam por aqui. São assuntos e temas pouco ou nada abordados dentro das universidades. Não se fala abertamente sobre isso. E o meu principal objetivo com esse texto é esse, conversar sobre esses assuntos. Isso tem que entrar na pauta. Assim você faz a sua escolha sabendo em que vai se meter. Muita gente tem se cansado e abandonado o barco. Admiro quem tem essa coragem. Amigos meus, ótimos profissionais, tem saído de dentro das agências para trabalhar dentro das empresas ou mudado de profissão. Blogueiro, cozinheiro, empresário, músico… todos sobreviventes de guerra. Mas também admiro muito quem persiste. Uns por não terem outra opção, afinal, no fim do mês é preciso pagar algumas contas. Outros por acreditarem que com o tempo e a disseminação de valores corretos dentro da profissão algo possa ser diferente.

Eu, particularmente, me encaixo nesse último perfil. Não quero dizer que sou o Messias, mas também estou longe de ser um zumbi que aceita a vida como ela é. E é isso que espero de quem pretende começar nessa profissão. Saiba que, assim como toda profissão, existem falhas e sujeiras. E se você não vier com pensamentos positivos, com vontade de fazer seu trabalho e um “algo a mais” para mudar tudo isso, você não vai aguentar e logo vai cair fora.

E pra finalizar uma sugestão de livro bem legal: Tudo o que você não queria saber sobre propaganda. Do Newton Cesar. Mais informações aqui.

Se alguém quiser continuar essa conversa pode me mandar um e-mail. Podemos marcar uma cerveja e discutirmos mais sobre o tema. Afinal, de alguma maneira tudo isso tem que entrar na pauta.

12 Responses to O lado da propaganda que não entra na pauta


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