4 Verbos » Pensar http://4verbos.com.br Assista, deguste, pense, faça. Mon, 10 Feb 2014 17:06:59 +0000 pt-BR hourly 1 http://wordpress.org/?v=3.4.1 A imbecilidade moderna http://4verbos.com.br/a-imbecilidade-moderna-2/ http://4verbos.com.br/a-imbecilidade-moderna-2/#comments Tue, 16 Jul 2013 10:00:14 +0000 lucasninno http://4verbos.com.br/?p=1517 Ontem eu não cumpri minha missão. Recebi uma pauta de um dos editores da United Press. Ele me pediu para fotografar um evento em que eram expostas réplicas gigantes de dinossauros. A ideia era clicar a relação da criançada com os bichos. Parecia algo prazeroso e fácil de realizar. Afinal, qual criança não gosta de dinossauros? Bom, já adianto que falhei.

Falhei, pois ao chegar lá me deparei com muita gente adulta e com elas, centenas, milhares de câmeras e celulares. Ao invés de desfrutar da exposição – que por sinal era fantástica – todos estavam fotografando. Inclusive eu. Procurei, sem sucesso, a tal cena da criança admirando as feras pré-históricas. Quando finalmente encontrei e preparei a câmera para disparar, fui derrotado pelo pai do menino, que o chamava freneticamente, de celular em punho: “Hijo, hijo. Mire para acá, mire para acá”. Então olhei ao meu redor e vi aquilo se multiplicando e ocupando todos os espaços do evento. Frustrando minhas expectativas, ninguém olhava os dinossauros. Estavam todos de costas para poder sair na foto, claro.

“Hijo, hijo. Mire para acá, mire para acá”

Minha pauta caiu e, com um pouco de indignação, pensei na imbecilidade a que nossa sociedade chegou, onde é mais importante ‘registrar’ a vida que viver. Você sai com seu filho, paga a entrada da família inteira e o coitado não curte absolutamente nada, porquê precisa ficar posando para as fotos que você quer subir ao Facebook. E hoje, pra completar, vejo um carro parado no centro histórico de Santiago. Me assustei, porque as 5 pessoas que estavam dentro tinham as cabeças baixas, como em cenas de assassinato. Me aliviei quando vi que apenas estavam olhando para os celulares, cada um com o seu. Mas acho que de certa forma estavam mesmo mortos. Sua conexão com o mundo foi assassinada pela conexão Wi-fi.

Lucas Ninno é fotógrafo cuiabano e atualmente mora em Santiago do Chile, onde trabalha como colaborador para a agência de notícias United Press International.

Conheça e acompanhe seu trabalho em:www.facebook.com/canaldoninno

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Você não é muito melhor do que um caruncho http://4verbos.com.br/voce-nao-e-muito-melhor-do-que-um-caruncho/ http://4verbos.com.br/voce-nao-e-muito-melhor-do-que-um-caruncho/#comments Fri, 12 Jul 2013 18:30:56 +0000 Luciano Marino http://4verbos.com.br/?p=1482 Ateu destemido, nunca dei muita importância ao feriado do dia 2 de novembro. Tenho meus motivos, o principal deles está intimamente ligado ao meu ceticismo incorrigível. Outro dia uma pessoa bastante culta me perguntou o que eu pensava da morte. Confesso que não esperava uma pauta tão estéril de alguém que lembra o nome de todos os generais de Hitler na 2ª Guerra Mundial. Mal consigo lembrar a escalação da Seleção Brasileira na Copa de 1994. Mesmo assim, respondi o que sempre respondo em situações como aquelas – que não tenho muitas dúvidas. E o fiz com probidade na alma, isso se eu acreditasse em almas, é claro.

A resposta simples e direta veio enquanto perambulávamos entre os túmulos em um típico dia de finados de cidade pequena. Para quem não sabe do que eu estou falando, um dia típico de finados de cidade pequena reúne no cemitério toda a população urbana e rural do município. Um evento magnífico para alguns nichos de mercado sazonais, devo sublinhar. Tem o vendedor de flores, de velas, de isqueiros e fósforos, de terços e até, o vendedor de algodão-doce. Quem poderia se sentir tentado a degustar um algodão-doce em um ritual tão fúnebre? Também têm as tendas de pasteis fritos na hora, outra que oferta melancia, churros, coxinha e tudo que abasteça as necessidades fisiológicas dos que vieram prestar suas homenagens aos falecidos. E foi nesse ambiente nada inspirador que eu renovei o ceticismo da minha resposta padrão para questões póstumas.

3 por 1 real.

‘Não tenho muitas dúvidas.’ Deveras, uma resposta simples demais para algo tão intrigante. Imagino que eu não seja o único a pensar assim, mas tenho certeza que eu pertenço a alguma minoria. Digo isso porque a maioria das pessoas não tem o hábito de pensar direito em questões muito complexas. Filosofar costuma dar muito trabalho, e daqui a pouco vai começar o Caldeirão do Huck. Mas isso não é nenhuma forma de crítica social, bem pelo contrário, quero me ater apenas aos argumentos que me fazem pensar assim. Não quero que ninguém concorde comigo em nada, as pessoas pensam como pensam baseadas em infinitas variáveis. As nossas opiniões são moldadas conforme experiências que adquirimos ao longo da vida, pessoas com quem nos relacionamos, livros que lemos, ideias que temos, pensamentos que falamos e ouvimos – somos o resultado de uma grande equação. Com as mesmas fontes de informação, pensaríamos rigorosamente da mesma forma. Por isso, entendam as malditas diferenças e evitem desgastes ao debater os assuntos mais complexos!

Isso devidamente esclarecido, podemos voltar a falar da nossa existência perecível. E começo com uma pergunta bem simples: o que nos faria ter a pretensão de achar que somos criaturas especiais? Você acha mesmo que o animal humano tem algum privilégio sobre os outros seres vivos só porque tem consciência da própria morte? O que nos leva a crer que somos moralmente mais avançados que rinocerontes, gafanhotos, pulgas, vira-latas, ou ainda, carunchos? São todos seres biológicos que nascem, crescem, se reproduzem e morrem. No caso dos humanos, ainda assistem à novela das oito antes de se reproduzirem. As vezes, até conseguem se reproduzir enquanto assistem à novela.

Mas, vamos um pouco mais além e adentremos ao Plantae, citemos uma babosa, por exemplo. O que acontece com ela depois que encerra seu ciclo natural? Ok, vira shampoo ou alguma solução para intestinos presos. Melhor voltar ao exemplo do caruncho. Não acontece absolutamente nada depois que vivem suas vidas roendo madeira, ou você acredita mesmo que todos os carunchos do mundo estão só de passagem por este plano? O que eu quero dizer é que não existem argumentos minimamente pertinentes que sustentem a ideia de qualquer coisa consciente depois da morte. Nada. Zero.

Ok, sobra a fé.

Devemos lembrar que a base principal de muitas religiões é o próprio desprezo pela vida. São instituições que insistem em pregar que todos os fieis estão aqui de passagem e o melhor mesmo ainda está por vir. U-hu! Pois é, não parece muito plausível. Fé não é argumento pra muita coisa, é apenas… fé. Eu posso ter fé no que bem entender, não tenho compromisso em explicar nada. Tenho fé que um dia a corrupção vai acabar, que meu reumatismo vai sumir, que em setembro vai chover, e que, inclusive,  existe um Deus monitorando tudo o que pensamos. Lamento, mas a fé não tem o poder de mover montanhas, é só uma metáfora das mais pancrácias que existem.

E já que o texto está ficando pesado mesmo, posso confessar aqui o quanto eu fico intrigado com a falta de bases racionais que levam as pessoas a cultuarem os mortos. O cérebro humano é tão poderoso e mesmo assim a tal inteligência coletiva aceita “verdades” inquestionáveis que me deixam embasbacado. Não entendo como a religião pode coexistir com o materialismo, conheço muitos religiosos materialistas. A própria América foi baseada nesse conceito contraditório. Mas, deixando a fé momentaneamente de lado, não demora muito a concluir que este razoável espaço de tempo que batizamos de “vida” é tudo o que nos resta. Lamento por isso.

Nós não temos um camarote nos esperando no paraíso. Não existe paraíso. Nós não somos especiais. Apenas viva direito.

Quando morremos, acontece conosco a mesma coisa que acontece com um maldito caruncho, ou gafanhoto, ou babosa. Nós viramos esterco, adubo, fonte de energia para outro tipo de vida, um ciclo perfeito, devo lembrar. E isso não tem relação nenhuma com Deus ou seja lá com qual for o destino que fantasiamos para nós. Lamento mais uma vez informar, mas nós não temos um lugarzinho especial guardado no céu. Nós não somos especiais. Só nos resta a fé em qualquer coisa que quisermos acreditar, afinal, para a fé, a verdade é o que menos importa.

Espera aí, o que você está dizendo? As revelações não podem estar erradas, bilhões de pessoas acreditam nisso. Esse é outro argumento bem raso. Acredito cada vez mais que a maioria das multidões são formadas por meras expressões carnavalescas. É apenas fé sendo repetida mil, cem mil, duzentas mil vezes. O que não falta nesse mundo são provas da engenhosa bestialidade humana, confortada pelas multidões e seus coros Ad nauseum. E por favor, não se sinta ofendido se você tem fé, não é de você que eu estou falando.

Cimetière des Innocents, em 1550.

É cientificamente provado que a mente humana precisa de respostas – de qualquer resposta. E veja só: não existe a mais remota probabilidade de chegarmos sequer perto de ter a capacidade para saber o que realmente acontece com a nossa consciência depois que morremos – se é que acontece alguma coisa. E não a temos por um único motivo: ainda estamos vivos e gozando da nossa óbvia limitação. Suponhamos que a verdade seja a que está nas inscrições ditas sagradas: depois da morte os bons vão para um paraíso imaginário e os ‘sem Deus no coração’ vão para um porão batizado de inferno. Se essas condições fossem menos infantis, o mundo não seria como o conhecemos hoje, justamente porque a fé não se sustenta perante a razão. É só um paradoxo bastante simples.

Reproduzindo o trecho de um artigo de Julian Barnes que eu li na Revista Piauí, podemos dividir a nossa espécie em dois grupos baseados na fé: os que temem a morte e os que não a temem. Tem os que não temem porque têm fé e os que não temem apesar de não terem fé. Esses dois estão no plano mais alto da moral. Em terceiro lugar, vêm aqueles que, apesar de terem fé, não conseguem se livrar do medo antigo, visceral e racional da morte. E finalmente, existem os infelizes que temem a morte e não têm fé.

Para mim, a reflexão é bem mais simples: como eu posso temer algo tão natural e imutável sabendo que eu não estou desperdiçando a minha vida? Soa melancólico. O medo de morrer está no remorso das vidas não vividas, das arestas escancaradas, do legado sem muita nobreza. Resumindo, é isso. Melhor manter as coisas em ordem, já que nunca se sabe quando a morte vai chegar. Se você nega a morte completamente, você não vive direito. O propósito da vida é a morte. Tudo o que somos, pensamos e sentimos são provenientes de experiências mundanas. Somos parte de um ciclo e faz todo o sentido que a nossa carcaça apodreça na terra enquanto é devorada pelos vermes.

Quando você morre, é um dia como qualquer outro, só que mais curto.

Eu tenho intenção de viver 90 anos, considero bobagem ir muito além disso. Ninguém precisa viver tanto, se você não fizer tudo que tem pra fazer em 90 anos, é melhor que morra de uma vez e pare de ocupar espaço. Sem remorsos, não tome isso como um desapego irracional pela condição humana. É por isso que quando eu parar de funcionar completamente, peço que não hesitem em me jogar numa vala qualquer, sem muitas cerimônias. E aproveitem o feriado de finados com alguma coisa menos trivial.

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O que diz, exatamente, a PEC 37 http://4verbos.com.br/o-que-diz-exatamente-a-pec-37/ http://4verbos.com.br/o-que-diz-exatamente-a-pec-37/#comments Mon, 24 Jun 2013 21:21:23 +0000 Luciano Marino http://4verbos.com.br/?p=1369 Nos últimos dias vi nas ruas cartazes, faixas, camisetas, palavras de ordem, rimas e brados exigindo um severo NÃO ao Projeto de Emenda Constitucional nº 37. A população que marchou pelas praças públicas implorava em uníssono: não aprovem esta merda! Estão ficando loucos? Mas, pesquisas apontaram que 70% dos manifestantes sequer suspeitava do que diabos se trata a tal PEC 37. Repito: 70%. Isso não importa, é o que se lê nas entrelinhas esquerdistas nesse momento. O importante é que o povo acordou e está lutando por algo tangível. O gigante acordou.

Mas, será que não importa mesmo? Vejamos o que diz então aos 30% remanescentes da pesquisa que afirmaram conhecer o teor da votação que estaria em pauta no dia 26 de junho. Essa é fácil: A PEC 37 é uma medida que limita o poder de investigação do Ministério Público Federal. Pois bem, agora vamos nos aprofundar um pouco mais e partir para o próximo nível de dificuldade.

Por que alterar a constituição?

Quem tem interesse nisso?

O laranja autor de um projeto como esse não sabia que isso inflamaria as massas?

E, finalmente: o que pensa o STF, a OAB, o quarto poder, o Congresso, o Papa…?

Conversando com amigos nos últimos dias discuti sobre a real constitucionalidade do MP sobre as investigações criminais. Alguns alegaram, para minha surpresa, que o Ministério Público não está em condições de igualdade para com o investigado, a tal ampla defesa. Isso acaba tosando a o conceito de justiça que tanto aclamamos em todas as esferas. Li em algum lugar que quem protesta contra a PEC é raso e não entende como as coisas funcionam. Conheço gente, inclusive, que é a favor do projeto. Como alguém pode ser a favor da PEC 37? Tentei entender os motivos e mergulhei no tema, algo que deveria fazer com mais frequência, antes de qualquer coisa.

Descobri então que o plenário da OAB também é favorável à polêmica emenda na constituição. Eles alegam que o Ministério Público, de fato, não tem competência para conduzir investigações criminais. Ao defender a aprovação da PEC, um de seus conselheiros disse que a medida é necessária para garantir o exercício da defesa. Alega ainda que a Constituição é clara ao estabelecer quem deve conduzir a investigação no Brasil. “Se o Ministério Público não tem poderes para investigar, é porque há uma divisão de Poderes, para se evitar os abusos.” Em outras palavras, propõe-se restabelecer a imparcialidade na fase de investigação, ou seja, a Polícia Judiciária (Civil e Federal) é quem deve investigar, o Ministério Público denunciar, a Advocacia defender e o Judiciário julgar. A OAB entende que quem acusa não pode investigar, simples assim. O Estadão também acha que a PEC 37 merece ser aprovada.

Não vivemos em um país muito aprumado. No Brasil, prefeitos, jornalistas e juízes vivem sendo apagados por forças obscuras. Como é que podemos largar na mão de uma polícia corrompida a tarefa de investigar?

Particularmente, acho o argumento refutável até certo ponto. O Brasil não é tão simples assim, o país está infestado de ladrões de colarinho branco, desfilando com seus ternos caros pelos corredores de Brasília, com dólares na cueca, se corrompendo diante de qualquer benefício político – por menor que seja. O Mensalão, que nem chega perto dos grandes roubos que aconteceram nesse país, é um belo exemplo das atrocidades que ocorrem por aqui. Não vivemos em um país muito aprumado, no Brasil, prefeitos, jornalistas e juízes vivem sendo apagados por forças obscuras. Para as polícias, a morte de Celso Daniel foi considerado crime comum, para o MP foi crime encomendado. Como é que podemos largar na mão de uma polícia corrompida a tarefa de investigar toda essa corja?

Se o Brasil fosse um país onde as coisas funcionassem, talvez o raciocínio pudesse ter mais coerência. Mas devemos pensar na realidade em que nos enfiamos em pouco mais de 20 anos de democracia, e nesse contexto não há muito espaço para confiar nos capangas do poder executivo. O país é uma verdadeira zona e o Ministério Público é a única arma da população. Mesmo que atue ancorado em uma brecha na constituição, goza do privilégio de não estar subordinado a nenhum dos três poderes. Além disso, nada desabona o papel que o MP vem exercendo. O próprio Roberto Gurgel, procurador-geral da República, disse que esse projeto é um retrocesso gigantesco para a persecução penal e para o combate à corrupção. Há quem diga ainda que tudo não passa de disputa de garantias constitucionais e direitos democráticos. Um teatro político, resumindo.

Porém, a única coisa que deve ficar clara com esse exemplo é que não devemos ser rasos, apesar de tudo conspirar para isso. É difícil encontrar opiniões muito profundas e separar os lados. Estamos sempre sendo puxados para cima quando tentamos mergulhar em algum tema. São muitas as fontes – e muitas sem grande credibilidade. Continua sendo válido ir ás ruas gritar com a multidão, mas que isso seja feito com alguma lucidez e entendendo onde todos aqueles anseios serão inseridos. É um momento para refletir, e aprender a pensar com alguma profundidade.

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Que tal você mudar primeiro? http://4verbos.com.br/que-tal-voce-mudar-primeiro/ http://4verbos.com.br/que-tal-voce-mudar-primeiro/#comments Sat, 22 Jun 2013 15:51:08 +0000 Thiago Nogueira http://4verbos.com.br/?p=1353 Meu nome é Thiago, tenho vinte e nove anos e moro numa pequena cidade do Mato Grosso do Sul (não me importo se você chamá-lo apenas de Mato Grosso). Sou assíduo frequentador e, obviamente, leitor, deste blog, porém neste momento gostaria de prestar minha humilde contribuição.

Como disse, moro numa cidade pequena do Centro-Oeste e, mesmo de longe, tenho acompanhado com certo entusiasmo a Revolução dos Vinte Centavos.

É impossível não associar os movimentos populares atuais com aqueles ocorridos há vinte e um anos. Lembro-me que, aos nove anos, meu pai me levou a uma grande passeata organizada por aquela que considero a verdadeira “geração coca-cola”. Havia bonecos gigantes, jovens com rostos e roupas coloridas e um forte coro pela saída do Presidente da República, o que, de fato, ocorreu. Algo que só fiquei sabendo alguns anos depois, nos livros de história, mesma ferramenta que espero ver utilizada por meu pequeno Davi, que ainda está no ventre da mãe, daqui a doze ou treze anos, para descobrir sobre o que acontece neste momento.

Déjà vu

Sobre os dias de hoje, de fato o preço do transporte público é elevado em relação à contrapartida oferecida e os serviços públicos básicos não atendem com dignidade aos anseios do povo brasileiro. Isso até o pequeno Davi já sabe, e olha que ele nem deu as caras por aqui ainda!

Ouso discordar, no entanto, sobre a opinião de muitos quanto à Copa do Mundo. As verbas públicas aplicadas em obras por ela exigidas não foram retiradas do orçamento previsto para os serviços básicos. Além disso, o desenvolvimento econômico do país, que é muito beneficiado por eventos grandiosos como esse, é igualmente importante, haja vista que o crescimento de outros setores, inclusive o de serviços básicos, é diretamente dependente desse crescimento.

Somos unânimes, entretanto, no que se refere ao grande problema: a corrupção. Esse é o grande mal a ser enfrentado. Penso que seu enfrentamento começa nas ruas, como tem sido feito, mas se efetiva no primeiro e no último domingo do mês de outubro dos anos pares.

Sinto-lhes informar, caros compatriotas, mas quem tirou o dinheiro do hospital da sua cidade não foi o Blatter, o Ronaldo, o Pelé, muito menos eu.

Quem meteu a mão no teu bolso, bateu na tua cara e te fez procurar um médico particular foram os infelizes que, nós mesmos, escolhemos para nos representar.

O que quero dizer, com todo o respeito, é que embora a conduta dos brasileiros nos últimos dias seja digna de aplauso, afinal, toda grande mudança começou com movimentos associativos e/ou populares, ela deve ser vista apenas como o início ou uma esperança, afinal há um longo caminho a percorrer e a mudança deve começar, primeiramente, em nós mesmos.

O que pretendo, realmente, com o presente texto, é provocar sua reflexão. Leia atentamente o pequeno diálogo abaixo e tente identificar-se nele. Reflita se não é o momento de começar a mudar. Se você não se identificar abaixo, parabéns, tenho orgulho de você!

Li muito no dia de hoje sobre como os outros países estão vendo o nosso modo de tentar reorganizar as coisas. Por coincidência, hoje também chegou ao Brasil o inglês John Smith, que nos visita para assistir às finais da Copa das Confederações.

John chegou ao Rio de Janeiro no final da tarde, Aeroporto do Galeão. Ao sair do saguão presenciou, de cara, a briga de dois taxistas. Assustado, pediu para ir à Copacabana. No meio do caminho, trânsito parado, resolveu ir andando. Começou a andar e logo avistou uma grande massa. Havia muitas bandeiras do Brasil, sua conclusão foi óbvia.

– Boa tarde, amigo. Perdoe-me pelo português ruim. Quanto ficou o jogo do Brasil?

– Que jogo, gringo? Tá louco? Aqui não tem nada de futebol não. Aliás, nós somos contra a Copa do Mundo no Brasil.

– Perdão. Se não houve jogo, por que a aglomeração?

– É que o gigante acordou?

– Desculpe-me, senhor, mas não entendi.

– É o seguinte, gringo. É um movimento por mudança.

– Mas é um movimento de direita ou esquerda?

– Como assim, gringo, tá louco? Eu já disse que não tem nada a ver com futebol.

– Sim, eu entendi. Mas quero saber que tipo de movimento político é esse.

– Que política, parceiro!? Aqui é tudo sem partido. Nós queremos a redução do valor das passagens do transporte coletivo, melhorias na saúde, na educação e na segurança pública. E, principalmente, o fim da corrupção, porque “esses político” aí, parceiro, são tudo vagabundo, sem vergonha e não me representam.

– E quem vos representa?

– Como assim?

– Sei lá. Em quem você votou na última eleição.

– Eu nunca votei não. Na última eleição eu tinha só 17 anos, não era obrigado a votar.

– Puxa. Mas você podia votar e não votou. Por quê?

– Porque eu não tenho saco para essas coisas não, parceiro. Detesto política!

– Mas por que você está aqui, então?

– Isso aqui não tem nada a ver com política, eu já disse. É um movimento apartidário. To aqui porque amo meu país, sacô!? To aqui porque o gigante não está mais deitado em berço esplêndido.

– Ok. Não entendi muito bem. Você me parece meio incoerente, mas deixa pra lá. Deve ser por causa do idioma. Só por curiosidade, o que está escrito no seu cartaz?

– Fora Feliciano!

– Ah sim, ok. Deixa pra lá, melhor eu nem tentar entender isso. Até logo, amigo. Boa sorte.

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A seleção voltou! http://4verbos.com.br/a-selecao-voltou/ http://4verbos.com.br/a-selecao-voltou/#comments Mon, 17 Jun 2013 13:09:49 +0000 Leandro Magalhães http://4verbos.com.br/?p=1329

Sim, é no Brasil.

“Ooooo a seleção voltooooo… a seleção voltoooo… a seleção voltooooOOO…” Esse grito não explodiu no Estádio Nacional Mané Garrincha, uma pena. Um pequeno grupo puxou a batida ali a uns 50 metros da cadeira 25, setor 410 no anel superior, mas não foi generalizado. “A seleção voltou”, naquele momento da partida, dois a zero pra gente, representava bem o espírito da coisa. Como disse (e diz toda hora sem parar) o Galvão Bueno, a torcida está louca pra se apaixonar mais uma vez pela seleção.

É a segunda vez que vou ao estádio assistir a uma partida do selecionado brasileiro. A primeira vez foi em 2002, com a primeira versão da família Scolari. Mas foi um jogo sem grandes emoções. Era amistoso, não valia muita coisa e foi contra a poderosa Islândia. Dessa vez foi diferente. Jogo oficial, o tal padrão FIFA, Dilma, Blatter, cadeira marcada, protesto… foi outro espírito. Imagina na Copa? Saí muito feliz do estádio. Talvez a felicidade se justificasse apenas nos litros de Budweiser consumidos na arena. Mas não, vi muita coisa boa em Brasília.

MEU DEUS! É UM JOGO DE FUTEBOL! Não é uma apresentação de teatro na Broadway!

A única coisa que me deixou triste foram os brasileiros que ali estavam procurando motivo pra reclamar. Tem defeito e falha no processo? Claro que tem. Assim como todos os lugares no mundo. Vaiar presidente não é invenção de brasileiro, muito menos manifestação na porta do estádio. Portanto a primeira coisa que a gente tem que tirar da cabeça é a expressão: “só no Brasil mesmo”. Vi gente reclamando de fila no bar, reclamando que o telão não passava o replay do lance, reclamando de erro do terceiro bailarino da segunda fileira que errou um passe na cerimônia de abertura. Reclamando das fileiras apertadas, da falta de sinalização… MEU DEUS! É UM JOGO DE FUTEBOL! Não é uma apresentação de teatro na Broadway! Tem cidade aí que até outro dia nem estádio tinha! A Copa das Confederações é chama de evento teste justamente para ver e corrigir algumas falhas. Acho que essa onda de ressaltar o lado negativo virou moda. “Sou crítico, vou sair falando mal de tudo!” Mania de reclamar da vida.

Só acho que deveríamos nos esforçar um pouco mais e lembrarmos das coisas boas. Sei lá, prefiro passar para as pessoas o lado positivo que presenciei. A atenção e educação dos voluntariados. A beleza do estádio, a visão do campo sem nenhum ponto cego, a proximidade com os jogadores, o respeito que o povo tem pelo lugar marcado e, claro, a seleção brasileira emocionando seu torcedor. Eu não sou parâmetro, choro até com a vinheta do Esporte Espetacular, mas como não se emocionar com o hino nacional cantado por 70 mil corações? Como não se emocionar com a beleza da cerimônia de abertura? Gritos de Olé, Neymar, Fred, le, lele ô, lelé ô, lele ô, Brasil!… É, a seleção voltou! Feliz de mais com isso!

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Você paga mais impostos do que imagina http://4verbos.com.br/voce-paga-mais-impostos-do-que-imagina/ http://4verbos.com.br/voce-paga-mais-impostos-do-que-imagina/#comments Fri, 10 May 2013 20:08:44 +0000 Luciano Marino http://4verbos.com.br/?p=1281 Em determinado momento da história Benjamin Franklin disse que apenas duas coisas são certas na vida: a morte e os impostos. Já falei aqui o que penso da nossa carga tributária escandinava trocada por serviços africanos. Dei o exemplo da BR-163 e tudo ficou por isso mesmo. Confesso, sendo bem honesto ao fazê-lo – bem honesto mesmo -, que não esperava nada além disso. O Brasil é um daqueles países que não podem ser mudados com palavras. Um texto normalmente não passa disso, de palavras, e não importa muito quem as escreva, onde elas são publicadas ou quem quer que seja que as leia – continuam sendo apenas palavras. No fundo, é só uma forma arcaica de colocar a indignação para fora antes que ela contamine os intestinos.

Fazendo uma rápida reflexão para ser mais claro, diria que a máquina pública, tal qual a conhecemos, faz girar a política, a economia e todo o resto menos importante. É isso que estamos acostumados a ver. Dê uma olhada em volta e perceba legisladores legislando, jornalistas informando, médicos diagnosticando, taxistas dirigindo, empreendedores empreendendo, lixeiros limpando e todos eles entregando a maioria do que ganham para um Governo paternalista. Algum ou outro não gosta, acha muito, protesta, sonega e é repreendido. Mas no fim das contas todos acabam pagando.

O Brasil é um país incrivelmente curioso, não tem guerras, pelo menos, não da forma como as conhecemos.

Também não faltam empregos e muito menos oportunidades, desde que você saiba onde encontrá-las. A qualidade de tudo o que nos é oferecido é bastante meia-boca, ofertado a quem acostumou-se com o complexo de vira-lata. Os mais exigentes pagam mais para se sentirem especiais na pirâmide social. Deslumbram-se com o falso privilégio de um camarote, de uma sala VIP, de um mínimo que seja de exclusividade. Na real, estão todos na mesmo terceiro mundo imundo. Dirigir um carro de câmbio automático parcelado em 60 meses é uma forma desesperada de buscar algum conforto na caverna.

Os mais desafortunados também vão levando do seu jeito. Para essa gente sobra a praia, o carnaval, futebol, “distribuição de renda”. Existe um prumo onde todos acabam seguindo e não há muito espaço para revoluções. É só mais um utopia enraizada em nossa falsa democracia. Ilusão inútil pensar que toda essa engrenagem pode ser mudada. Não pode. Palavras só têm uma função, e ela é meramente patológica. Pense em algo melhor.

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Só deixem meu planeta fora disso http://4verbos.com.br/so-deixem-meu-planeta-fora-disso/ http://4verbos.com.br/so-deixem-meu-planeta-fora-disso/#comments Tue, 26 Mar 2013 19:00:49 +0000 Luciano Marino http://4verbos.com.br/?p=1171 Manhã de verão e meu cão Leopoldo me convida para um passeio pelas cercanias desertas do bairro. Já na esquina, notamos as silhuetas de duas figuras sob sombrinhas negras. Ambas possuíam estaturas medianas, peles amareladas e cenhos marcados pelos efeitos da ação solar. Assim que nos avistam, elas apertam o passo em nossa direção, como tubarões que farejam sangue. Rapidamente se aproximam para nos dizer alguma coisa. Leopoldo, inquieto, rosna para aquelas senhoritas de vestidos longos e sandálias igualmente surradas. Aquilo não parecia nada bom. Lá vem, pensamos.

Por motivos óbvios, ela é plana!

- Tem um minuto para ouvir a palavra?

- Mas é claro que tenho! – Respondi já sabendo que aquilo poderia render uma boa narrativa não-ficcional ao melhor estilo Woody Allen. Leopoldo olhou para mim e movimentou a cabeça como se dissesse: – Você não disse isso.

- Você acredita na salvação, filho?

- Salvação? Filho?

- Sim, filho, na salvação divina.

- Não, eu não acredito, estou muito longe de acreditar e também não tenho idade para ser seu filho.

- Você não acredita?! – Elas se entreolharam com alguma desconfiança.

- Não. Por que o espanto? – Notei que as duas levaram um pequeno choque com a minha resposta incomum e recheada de convicção.

- E poderia nos dizer por que você não acredita na salvação?

- Não a acho plausível.

- Como assim? Não entendemos.

- Qual parte?

- O que você não acha plausível?

- As revelações, ora bolas!

- Mas o que seriam essas revelações?

- Pensei que vocês saberiam.

- Estamos um pouco confusas.

- Deve ser o calor.

- Então nos diga quais são essas revelações.

- Me refiro ao onirismo da coisa toda, um Messias, ensinamentos psicografados. Não me sinto a vontade lendo sobre a origem das crenças e todos os seus meandros.

- Continue – As duas mulheres estavam estáticas, dedicando extrema atenção enquanto eu falava igual uma matraca desembestada.

- Não acredito em nada que não seja minimamente matematizado por algum senso comum. Me irrito quando a fé é o único argumento. Também não gosto como tratam o termo “sagrado”. Prefiro prestar mais atenção ao que prega a ciência, que, de fato, é quem contribui substancialmente com a nossa evolução.

- Mas a Igreja também contribuiu com essa “sua” evolução.

- Contribuiu não.

- Contribuiu sim. Por que acha que não? Nos dê um exemplo. “Não, não dê” – pensava Leopoldo.

- Com o maior prazer. A Igreja perseguiu Galileu e o seu heliocentrismo. Contrariou a lógica de Colombo, contrariou a lógica dos gregos – dos gregos! -, afirmou por muito tempo que a Terra era o centro do universo, pior: afirmou que a Terra não era redonda, e sim, plana.

- Me desculpe, mas acho que você está bastante equivocado.

- Tanto assim?

- Sim, está. Quem comprovou que a terra era redonda foram os astronautas.

- Como é?

- Sim, o astronautas. Quando foram à Lua.

- Você está falando de 1969?

- Não lembramos da data, mas foi isso que aconteceu.

- Esperem um pouco. Vocês estão dizendo que só descobrimos que a Terra é redonda quanto fomos à Lua?

- Isso mesmo.

- Desculpem a minha falta de jeito, mas devo repetir a pergunta: Vocês estão dizendo que só descobrimos que a Terra é redonda quanto fomos à Lua?

- Sim, de novo.

- Leopoldo, você ouviu isso?

- Ouvi sim, até os cães gregos sabiam que a Terra era redonda, deve ser o calor.

- Senhoritas, lamento decepcioná-las, mas já desconfiávamos que a Terra não era plana desde o século III a.C – e isso faz muito tempo.

- Não, foram os astronautas.

- Foi Eratóstenes pelo amor de Deus!

- Viu, mencionou Deus?

- Força da expressão. Também uso o “Nossa!” e “Misericórdia” em algumas exclamações de extremo espanto.

- Então como pode dizer que a religião não contribuiu com a evolução?

- Só por causa das expressões?

- Da expressão e do calendário que seguimos, da influência política, social… Deus está em tudo.

- Diga isso ao pessoal do CERN.

- Então você já ouviu falar da “partícula de Deus”.

- Já, em algum livro de Dan Brown, Fortaleza Digital, eu acho. Mas também acho que vocês jamais leriam um livro assim.

- E você, leria a Bíblia?

- Li quando fui obrigado.

- Como assim?

- Passei alguns dias num postulantado franciscano na minha adolescência.

- Deve ter sido uma experiência muito boa para você.

- E foi, ouvi ótimas metáforas enquanto estive lá.

- A questão é que religião e ciência podem viver harmonicamente.

- Também acho, a Igreja não precisava ter matado os cientistas.

- Não os matamos!

- Ah não? Recomendo que leiam mais sobre a origem da fé. É bastante medonho.

- Está bem quente hoje e você está nos desviando do foco, queremos apenas lhe mostrar a palavra.

- Acho que são vocês que estão fugindo do tema. Sabiam que a Igreja sempre censurou o avanço do conhecimento? Ela cerceou todos que foram contra seus dogmas, incluindo – e especialmente incluindo – a ciência.

- Esse cachorro é seu?

- Sim, é o Leopoldo.

- Ele não tem cara de Leopoldo.

- Agora são vocês que estão fugindo do assunto.

- Como você pode dizer que a Igreja impediu o avanço do conhecimento?

- A Igreja, antes de falir, sempre legislou, julgou, condenou e entregou os cientistas para instituições seculares. Foi assim com Giordano Bruno, Copérnico, Galileu… tenho uma lista inteira aqui no Google do meu celular. Se isso não é matar, precisam rever a definição de assassinato.

- Não fazemos parte dessa Igreja que você está descrevendo.

- Não?

- Não!

- O que são então?

- Testemunhas de Jeová.

- E o que testemunharam?

- Testemunhamos milagres que você prefere não entender. A nossa missão é ir de casa em casa para evangelizar pessoas, ensinar o caminho da luz. Não somos fundamentalistas, como você aparenta pensar.

- Não aparento pensar nada, também não sou herege, não leu meus últimos textos sobre preconceitos?

- Você escreve?

- Sim, sou blogueiro, mas também estou escrevendo um livro.

- Não lemos livros satânicos, nem blogs, apenas a palavra de Deus.

- Não deveriam ser tão radicais assim.

- Sabemos o que devemos.

- Impressão minha ou isso está ficando tenso?

- Deve ser o calor.

- É, deve ser.

- Então vamos abreviar essa conversa.

- Não era eu quem deveria dizer isso? Normalmente as pessoas fogem de vocês.

- Fogem porque temem o que não compreendem.

- Belo argumento, deixa eu anotar aqui, pode ser útil em algum post.

- Tudo bem, de qualquer forma podemos te entregar algumas revistas?

- Claro que podem. São revistas sobre o que? Não, esperem. Deixem-me adivinhar… apostaria meus rins que não tratam-se das últimas edições de Galileu.

- São publicações sobre a nossa missão na Terra.

- Terra redonda, devo lembrar.

- Gostaríamos que não zombasse disso.

- Não resisti, desculpe.

- Tudo bem. Só recomendamos que estude mais a fundo a nossa missão.

- Vocês nunca discordam uma da outra?

- Nossa missão é mais importante do que qualquer coisa.

- Do que qualquer coisa?

- Sim.

- Nesse caso, mande lembranças ao Sr. Gagarin.

- Quem é esse?

- Um soviético que não enxergava direito. Venha, Leopoldo!

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Tu te apaixona? http://4verbos.com.br/tu-te-apaixona/ http://4verbos.com.br/tu-te-apaixona/#comments Thu, 14 Mar 2013 15:00:37 +0000 Fred Fagundes http://4verbos.com.br/?p=1157 — Tu te apaixona?
— Hum?

A resposta espontânea e resumida em um novo questionamento era tolerável. Afinal, chega certa hora que o homem é proibido pela sociedade de se apaixonar. Eles já haviam passado dela. Ambos eram casados. Bem casados. Não havia porque vivenciar novamente aquela tensão do flerte até o êxtase do acordei-e-ela-tá-dormindo-do-meu-lado-com-minha-camiseta-dos-sex-pistols.

Não era certo.

Não era certo?

Era o que gostaria de saber. Foi no final de uma lomba, no trânsito, vendo o sinal fechar e o trânsito parar que jogou esse debate para o colega de trabalho no banco do passageiro. Justamente por não possuir tanta intimidade com o sujeito que imaginou um assunto levado a sério. Seguiu.

— Te apaixona. Te apaixona, apaixona, de apaixonar. Tá na rua e pow! Te apaixona. Ou conhece alguém e tá lá: te apaixona. Daquelas paixões que tu analisa quatro vezes antes de falar algo. Que tu te apaixonas tanto que tem medo de que isso pareça claro pra ela. Que as vezes a guria parece ser tão bonita que dói.

Aquelas paixões que te fazem sentir vivo. Que te dão esperanças que o amor é mais, muito mais do que ser meramente feliz. Que faz você torcer para que ela não seja de verdade – ou pelo menos que não esteja te dando tanta bola quanto parece. Que dá vontade de mandar tudo a merda e falar “to apaixonado, porra. Agora sai da minha vida”. Sabe?

— Sei.
— Então. Tu te apaixona?
— Todos os dias.

O sinal abriu e nunca mais falaram sobre isso. Eram apenas covardes.

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Sobre balde, amor e vida http://4verbos.com.br/sobre-balde-amor-e-vida-2/ http://4verbos.com.br/sobre-balde-amor-e-vida-2/#comments Thu, 21 Feb 2013 12:31:06 +0000 Cezar Santos http://4verbos.com.br/?p=979 Começo com a seguinte pergunta: por que há um espaço tão grande entre o que eu faço e o que eu gosto de fazer? Essa pergunta vai além de trabalho. Falo de vida, do mundo. Creio que muitos de vocês já leram, ouviram, assistiram alguma coisa sobre pessoas que resolveram mudar toda a sua vida. Mudar tudo e viver de uma forma diferente. Pois bem, sendo sincero, tenho em mim um misto de admiração e repúdio por essas pessoas. Bloqueiem os pensamentos indignados ou favoráveis. Vou explicar.

Tem um comentário num vídeo do Youtube que expressa muito bem porque admiro as pessoas que resolvem mudar seus mundos:

Não fazemos nada real e que mude nossa história, tenho vergonha de ser de uma geração que tudo vê, tudo sabe, mas que apenas reage postando vídeos de nossa frustração no Facebook!

As pessoas que mudam a sua vida de forma drástica fazem algo real. Acho que pra ser real tem que mudar seu mundo totalmente, mas aí vem o repúdio. Existe um texto de Contardo Calligaris (clique aqui pra saber quem é esse cara) intitulado “A coragem do amor que dura”. O texto fala sobre o fato de a nossa cultura idealizar a ruptura, a aventura e a glorificada – pelo cinema e literatura – coragem de chutar o balde. No texto, Calligaris trata do amor, mas tomemos como exemplo: ele defende que o amor verdadeiro é o capaz de permanecer, nem sempre intacto, porém permanece sendo amor diante das diversas dificuldades que possa encontrar, não apenas pela duração que tem, mas que o amor leva tempo para ser construído. A construção se dá em deslocar o balde para que a goteira não molhe o chão, ao invés de chutar o balde de uma vez.

Nesse sentido do que seja “real” e da ideia do valor presente no texto de Calligaris, os que continuam a viver a vida de trabalho, frustrações e indignações, não podem fazer algo real? Digo que sim. Eu passei 4 anos numa faculdade que me forneceu base para exercer uma profissão e não tenho como usar isso para mudar o mundo? Preciso desistir de tudo pra ver alguma mudança e ser feliz? E a resposta que me vem é: não. Porque preciso mudar minha mente, meu modo de pensar e viver, não necessariamente desistir de tudo. Mas que fique claro: as pessoas são únicas e, na mesma intensidade, os caminhos também.

Encare a verdade: é um balde imaginário.

Então chegamos a uma definição de mundo – criada por ninguém menos que eu, o que não tem valor nenhum. A psicologia diz que nossa identidade é mutável e que temos várias “facetas identitárias”. O publicitário, o filho da dona Tetê – que não gosta de ser chamada assim, por isso não contem nada a ela – e do seu Gonçalo, o irmão, o amigo, o colega, etc. O meu mundo não é apenas uma dessas facetas, uma delas pode ter um peso maior. Entretanto, meu mundo também não é a publicidade, é bem mais extenso e isso me leva a pensar que é algo em constante mudança com uma definição íntima, algo que eu posso controlar e fazer o melhor ou o pior dos mundos. Assim, se não gosto da minha vida, a culpa é minha.

Acho que podemos mudar o mundo e essa é a grande mudança: acreditar e fazer.

Entendo que há muitos outros fatores que forçam o “chutar o balde”, resumindo escolhas forçadas, espontâneas ou cômodas que me conduzem a um caminho que posso não gostar, mas que sou responsável por ter chegado lá e tenho a possibilidade de mudar. Enfim, repudio porque muitas vezes não consigo enxergar os resultados de se mudar tudo, os resultados para o mundo. Não digo de todos, mas há casos que as ideias são boas, porém a execução é ruim e os resultados são miseráveis. Acho que podemos mudar o mundo e essa é a grande mudança, acreditar e fazer.

Precisamos ter um pouco dos dois, a coragem para mudar e fazer aqui nesse “palco de loucos”, que podemos chamar de mundo real, o que falamos no Facebook. E também a coragem para permanecer lutando pelo que acreditamos, mesmo estando envolto por muito trabalho. Algumas indignações e frustrações, encontrar a sua maneira de mudar o mundo, principalmente o seu e só então o mundo dos outros. Isso faz toda diferença, ainda mais quando se é feliz com o que faz.

Li um texto há um tempo em que o foco era entre ser feliz ou ter uma vida interessante. Segundo o autor, quem é feliz não busca um mundo de opções, que seria uma vida interessante. Na minha humilde opinião felicidade é única, sem molde, sem métodos ou indicações. Ser feliz é uma arte desenvolvida de formas e gostos diferentes. Mas o principal é que a felicidade não está presa a nada. No final ser feliz é uma vida interessante ou uma vida interessante é ser feliz.

Finalizando, com um tom bem poético, de Alain Badiou:

Um amor verdadeiro é o que triunfa duravelmente, às vezes duramente, dos obstáculos que o espaço, o mundo e o tempo lhe propõem.

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Vítima da própria fama http://4verbos.com.br/vitima-da-propria-fama/ http://4verbos.com.br/vitima-da-propria-fama/#comments Mon, 18 Feb 2013 14:39:25 +0000 Fred Fagundes http://4verbos.com.br/?p=916 A expulsão de Neymar no jogo contra a Ponte Preta é injusta, mas sintomática.

O lance é bastante claro. Arthur dá uma cotovelada – ou uma tentativa de. Sai um tapão meio perdido, aquele que acerta o antebraço no rosto do oponente. Não dói, mas irrita. E Neymar dá um chute no vazio. Chute que sai na reação de quem foi agredido. Chute que só saiu porque o árbitro não apitou antes e correu até a pequena área para realizar a expulsão.

O que acontece depois do chute não interessa. Mão aqui, tapa lá, não importa. O lance já aconteceu. E o árbitro Luiz Flávio de Oliveira, numa clara exibição de fraqueza e covardia, decide pelo mais correto: expulsa os dois.

Porque expulsar os dois é tipo marcar falta de ataque depois de um escanteio duvidoso. “É técnica pra parar o jogo”, dizer os comentaristas. Eu acho que é um atestado de incompetência . Mas enfim.

O árbitro expulsou Athur, o agressor, e Neymar, o agredido. Por que? Porque era Neymar.

Neymar, do cabelo loiro.

O injustiçado pelos zagueiros ferozes.

O árbitro sabia quem era. E a verdade é que o senhor Luiz Flávio de Oliveira também já tava de saco cheio dessa história de proteção ao jogador. De que Neymar apanhava muito. De que todo árbitro devia ficar atento ao rodizio de faltas no jogador. E nheinheinhei.

Aí ele fez isso. Expulsou Neymar junto para demonstrar que é firme. Que tem personalidade. Quem não será mais um acusado de superproteger o atacante do Santos. Que não ia cair na malandragem, ousadia e alegria.

Mas fez merda.

Neymar não fez nada. Só foi uma vítima de agressão. Vítima da própria fama e da covardia já consagrada da arbitragem brasileira.

Covardia essa que não será tratada pela mídia. Pois essa mesma mídia, agora, vai reunir jornalistas, ex-jogadores e treinadores para saber: Neymar está se tornando um jogador violento? Ele acerta ao revidar a deslealdade dos seus adversários?

Enquanto ninguém vai discutir uma simples arbitragem ruim.

Afinal, audiência quem dá é Neymar. E é mais fácil adaptar um assunto para incluí-lo do que analisar a raiz do problema.

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