Guia prático de vozes verbais para redação: quando usar ativa, passiva analítica, pronominal, reflexiva e média

Lembro-me claramente da vez em que, em uma revisão de textos para um jornal local, encontrei uma página inteira escrita em voz passiva. Parecia que os eventos aconteciam sozinhos — “foi anunciado”, “foi aprovado”, “foram encontrados” — e os leitores se queixaram: “não dá para entender quem fez o quê”. Na minha jornada como jornalista e professora de escrita (tenho mais de 10 anos de experiência na área), aprendi que a escolha entre vozes verbais transforma não só a clareza de uma frase, mas também o seu foco, o tom e a persuasão da mensagem.

Neste artigo sobre vozes verbais você vai aprender, de forma prática e direta:

  • O que são e quais são as principais vozes verbais em português;
  • Como transformar frases da voz ativa para a passiva e vice‑versa;
  • Quando usar cada voz para melhorar a clareza e o impacto do texto;
  • Erros comuns e diferenças que causam confusão (como “passiva pronominal” vs “índice de indeterminação do sujeito”).

O que são vozes verbais?

Vozes verbais indicam a relação entre o sujeito e a ação expressa pelo verbo: quem pratica a ação, quem a recebe ou quando o sujeito e o paciente coincidem. Em português, as vozes mais discutidas são:

  • Voz ativa
  • Voz passiva (analítica e sintética/pronominal)
  • Voz reflexiva
  • Voz média (ou voz média/mediopassiva, termo menos usado, mas relevante)

Voz ativa: a forma mais direta

Na voz ativa, o sujeito pratica a ação. É a construção mais clara e economiza palavras — por isso é preferida em jornalismo e textos instrucionais.

Exemplo:

  • Ativa: O cientista publicou o estudo.

Quando usar: quando você quer identificar claramente o agente da ação e priorizar a clareza.

Voz passiva analítica (ou passiva por ser + particípio)

Na passiva analítica, o sujeito sofre a ação e o agente pode ser expresso por “por” ou “pelo(s)/pela(s)”. A estrutura típica é: Sujeito paciente + ser + particípio (pelo agente).

Exemplo:

  • A pesquisa foi publicada pelo cientista.

Quando usar: quando o foco deve estar no resultado ou no paciente da ação (por exemplo, “a vacina foi aprovada” — interesse no acontecimento, não em quem aprovou).

Voz passiva sintética / pronominal (o famoso “se”)

É a construção em que o pronome “se” transforma a oração em passiva ou em indeterminação do sujeito, dependendo do contexto. Exemplos típicos:

  • Vendem‑se carros. (construção impessoal/voz passiva sintética)
  • Construiu‑se um novo hospital. (foco no que foi feito, sem agente expresso)

Importante: há debate entre gramáticos sobre quando classificar essas formas como “voz passiva sintética” ou como “índice de indeterminação do sujeito”. A regra prática para o escritor é observar se há um objeto direto que passa a funcionar como sujeito paciente — aí funciona bem como passiva sintética.

Voz reflexiva

Na voz reflexiva, o sujeito pratica e sofre a ação; o pronome reflexivo é usado (me, te, se, nos, vos). Em muitos casos, a reflexividade indica ação recíproca ou efeito sobre si mesmo.

Exemplos:

  • Ela se penteou. (ação sobre si mesma)
  • Os vizinhos se cumprimentaram. (ação recíproca)

Voz média

A voz média indica situações em que a ação recai sobre o próprio sujeito, mas sem um pronome reflexivo explícito, ou quando o verbo tem construção que mistura sentido ativo e passivo. Em português, a voz média aparece menos explicitamente que em línguas como o grego, mas há verbos e contextos em que o sujeito é agente e paciente ao mesmo tempo.

Exemplo prático: “A camisa veste bem.” — aqui, “a camisa” não faz a ação, mas o verbo tem sentido que relaciona a peça ao efeito sobre quem a usa. Em português do cotidiano, a distinção entre voz média e ativa nem sempre é marcada formalmente.

Transformando vozes: exemplos práticos

Transformar frases entre ativa e passiva é uma habilidade útil para redatores. Veja alguns exemplos e dicas rápidas:

  • Ativa: O diretor entregou o relatório. → Passiva analítica: O relatório foi entregue pelo diretor.
  • Ativa: Os pesquisadores descobriram a causa. → Passiva analítica: A causa foi descoberta pelos pesquisadores.
  • Ativa: Alguém fechou a porta. → Passiva pronominal/impessoal: Fechou‑se a porta. (ou: A porta foi fechada.)

Dica prática: se a transformação ficar muito longa ou empurrar o agente para um “por…” pesado, prefira a voz ativa.

Quando escolher cada voz? Regras práticas de estilo

  • Use voz ativa para clareza, ritmo e responsabilidade jornalística: “O governo anunciou” em vez de “Foi anunciado pelo governo”.
  • Use voz passiva para foco no evento ou quando o agente é desconhecido/irrelevante: “Foram apreendidas drogas” (agente geralmente não é o foco).
  • Use a passiva pronominal para instruções/avisos: “Vendem‑se ingressos” ou “Aluga‑se apartamento”.
  • Evite passivas excessivas em textos persuasivos — elas podem diluir a responsabilidade e enfraquecer a mensagem.

Erros comuns e armadilhas

  • Excesso de passiva: vira texto “sem autor”. Leitura cansativa e vaga.
  • Confundir passiva pronominal com indeterminação do sujeito: observe se há objeto direto que vira sujeito paciente.
  • Uso inadequado da voz reflexiva quando a intenção é passiva: “Vendeu‑se o carro” (ok), mas “Foi vendido o carro” pode soar mais formal.

Minha experiência prática: um caso real

Em uma matéria sobre corrupção, optei deliberadamente por alternar vozes. Usei passiva para relatar achados (“foram encontrados indícios de…”), e ativa quando citei responsáveis e fontes (“O delegado afirmou…”). O resultado? Leitores reclamaram menos de ambiguidade e houve mais engajamento nos comentários. Aprendi que não se trata de proibir uma voz — e sim de escolher a voz certa para cada objetivo.

Ferramentas e recursos para praticar

  • Leia e copie trechos de bons jornalistas: observe como alternam vozes para ênfase.
  • Use o recurso “localizar” em textos: busque por “foi” + particípio para identificar passivas analíticas.
  • Consulte gramáticas confiáveis (evito regras fechadas demais; prefiro entender o efeito estilístico).

FAQ rápido sobre vozes verbais

Q: Toda frase com “se” é passiva?
A: Não. O “se” pode indicar passiva (Vendem‑se casas) ou indeterminação (Vive‑se bem aqui). Contexto e tipo de verbo ajudam a decidir.

Q: Devo evitar sempre a voz passiva?
A: Não. A passiva é útil quando você quer enfatizar o objeto ou quando o agente é irrelevante. O problema é o excesso.

Q: Como identificar o agente em uma passiva analítica?
A: Em geral, aparece após “por”/“pelo(s)/pela(s)”: “A lei foi aprovada pelo Congresso.”

Conclusão

As vozes verbais são ferramentas poderosas: controlam foco, ritmo e clareza. Como jornalista, aprendi a usá‑las com intenção — nem sempre a voz ativa é melhor, nem sempre a passiva é preguiçosa. O segredo é perguntar: qual informação quero destacar? Quem é importante para o meu leitor?

FAQ resumido já acima. Agora, um conselho prático final: revise seus textos procurando frases longas e passivas; transforme algumas em ativas e veja se o texto ganha vivacidade. Pequenas trocas fazem grande diferença.

E você, qual foi sua maior dificuldade com vozes verbais? Compartilhe sua experiência nos comentários abaixo!

Fontes e leitura recomendada: Priberam — verbete “voz” (https://dicionario.priberam.org/voz) e Ciberdúvidas da Língua Portuguesa — consultas sobre voz passiva e uso do “se” (https://ciberduvidas.iscte-iul.pt).